Minha infância foi intercalada com (poucos) bons momentos e (muitas) crises de bronquite. E apesar das constantes visitas ao hospital, eu era uma criança normal (eu acho). Eu adorava esportes, principalmente futebol. Mas a bronquite asmática limitava muito minha participação em partidas de futebol, eu cansava muito rapidamente e minhas habilidades com os pés nunca foram lá essas coisas, por mais que eu treinava em casa tentando driblar meu cachorro - que sempre conseguia tomar a bola de mim. Resultado: Com sorte eu era um dos últimos a ser escolhido porque era um tremendo 'pereba'. E as crianças que jogavam um pouco melhor não tocavam a bola para mim. Eu tinha que trazer a bola de casa para ter uma vaga garantida no time do colégio na hora do recreio.
O pior é quando me mandavam para o gol. Como toda criança, sonhava em ser artilheiro, marcar muitos gols e ser o novo craque do momento (Na minha época de criança, ele atendia o nome de Romário, o baixinho). Mas lá ia eu pro gol. Eu fazia algumas defesas, mas nada que me empolgasse a seguir na posição, afinal quem dá valor para goleiro nesse Brasil? Afinal, se defendeu não fez mais que sua obrigação e se levou gol é frangueiro.
Aí veio a Copa de 1994.Ela teve um impacto enorme na minha vida. Eu tinha nove anos de idade, as idas ao gol eram constantes e eu não achava motivação para abraçar a função de guarda metas. Ficava chutando bola na parede de casa na busca de aprender como bater na bola e conseguir dominá-la a esperança de ter uma chance de jogar na linha novamente. Mas aí eu comecei a ver as partidas e comecei a prestar atenção nas defesas feitas pelos goleiros. Thomas Ravelli, sueco, que tinha um jeito todo peculiar de defender e antes de repor a bola, passava de uma mão para outra pelas costas. Pronto, chamou minha atenção. Jorge Campos, mexicano, com uniformes extremamente chamativo, um tremendo tampinha para posição e ainda sim, conseguia fazer grandes defesas. chamou minha atenção parte (II). Michel Preud'homme, belga, defendia com classe e parecia ser de borracha. chamou minha atenção parte (III). Mas o 'golpe de misericórdia' para eu abraçar a função de guarda redes se deu na final da Copa entre Brasil e Itália
Taffarel de um lado, Massaro do outro, Taffarel pegou. Minha casa e todo o Brasil explodiu em alegria. Depois Baggio jogou a bola na lua e nós fomos tetra depois de 24 anos. Naquele dia eu entendi como um goleiro podia virar herói sem precisar fazer gol. E vi um goleiro, tão achincalhado no Brasil, passar a ser respeitado. Vi que podia ser respeitado também e que mesmo sendo uma posição difícil,afinal se o goleiro erra não tem ninguém para salvá-lo ao contrário de todas as outras dez posições do futebol, ela estava longe de ser ingrata.
Depois da copa, passei a ir para o gol mais confiante, tentava fazer algumas palhaçadas, queria usar roupas chamativas (minha mãe bloqueou me dar meias amarelas ou fluorescentes e tive que virar um goleiro com uniformes sóbrios...rs) e ia com tudo para evitar que o gol saísse. Ia para casa, todo sujo, joelho ralado, mas ia feliz sabendo que evitei o máximo de gols possíveis. Tive que aprender a conviver com a dor de falhar, afinal, não era perfeito, e tentar fazer duas vezes melhor para que não lembrassem da minha falha - o que era difícil, mas foi melhorando com o tempo. Eu chutava a bola na parede agora para tentar defendê-la. enfim, tinha feito o juramento de defender as traves por toda minha vida sem mesmo uma cerimônia oficial. E o melhor de tudo, passei a ser aceito em todos os 'futebóis' que participava, afinal, não era todo mundo que queria ser goleiro. E eu passei a querer muito estar debaixo das traves.
Em 98, minha idolatria pelo Taffarel ficou ainda maior, principalmente pelos pênaltis defendidos na semifinal contra a Holanda. Detalhe, eu não assisti ao vivo, peguei o rádio da minha vó e quando ele defendeu a segunda cobrança, o êxtase da comemoração taquei um dos radinhos de pilha dela na parede, se espatifando lindamente. Ela esqueceu de comemorar e me deu um esporrão. Nem liguei. Fiquei sem mesada por um mês. Isso sim doeu. Mas no fim, eu queria ser profissional. Com 13 anos, já jogava futsal com adultos, o que era muito difícil. Mas quando defendia contra o meninos da minha idade, modéstia à parte, não passava nada( mentira passava algumas coisas). Mas ganhava outro status e na adolescência todos sabemos como isso é importante. Quando me mudei na adolescência, o futebol me ajudou a me enturmar na rua e quando vi estava jogando com o pessoal até nos lugares mais longínquos do Rio de Janeiro. Se tivesse futebol no inferno, eu ia naquela época, sem pestanejar.
Um dos meus maiores orgulhos na vida foi ter escolhido ser goleiro. Me trouxe muita coisa para minha vida que talvez se eu continuasse na linha dando canelada não teria tido. Talvez não fosse querido, respeitado, xingado pelos adversários (pobre da minha mãe) nos lugares que entrei, não teria heróis como os que eu tenho debaixo das traves, caras que me inspiraram muito no futebol e na vida. Taffarel, que fez aniversário ontem é um desses. É um dos caras que sempre falo, que se eu virei goleiro foi porque ele pegou aquele pênalti e enquanto todo mundo falava de Bebeto e Romário nas rodinhas do colégio, eu ficava dizendo: "Mas você viu a defesa que o Taffarel fez?" ou quando via melhores momentos com meus amigos, eu era o único que grita (Até hoje) 'Uau! que defesaça!' ou quando falam que goleiro ou é maluco ou é 'viado' (perdão pelo termo chulo) Eu batia com cabeça na parede (que besteira,né? rsrsrs) Enfim, até hoje não sei se escolhi ser goleiro ou fui escolhido pelo para defendê-lo de todos os ataques que ele sofre. Só sei que até quando eu estiver força, estarei debaixo das traves evitando comemorações adversárias.
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