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Foo Fighters: Escancarar a dor para curá-la



O compositor tem uma uma relação instigante com a música. É onde ele externa suas alegrias e tristezas para que elas saiam de si e vão encontrar o mundo e quem sabe ajudar a quem ouvir. David Grohl, que do luto pelo fim do Nirvana criou o Foo fighters, resolveu fazer do recém álbum lançado, 'but here we are', uma grande terapia coletiva para que ele, sua banda e o todos os fãs pudessem passar melhor por esse luto da perda do baterista Taylor Hawkins 

E Se os fãs tiveram o duro golpe de perder o querido baterista - o que por exemplo me deixou meses sem ouvir músicas do Foo Fighters por conta da dor dessa partida repentina - Grohl teve uma dor muito pior para se somar a essa meses depois: A perda de sua mãe, Virginia por conta de um câncer aos 84. Aquela que deixou um moleque seguir seu sonho de viver música e foi o grande norte do músico durante toda a vida.  E todas as letras são guiadas pela tentativa de Grohl superar essas duas perdas.


A música que abre o disco é um o já hit 'rescued', que fala do impacto da perda e de como a gente acaba morrendo junto com quem se foi naquele momento. E o que resta é esperar para ser resgatado e voltar a vida. Nas músicas seguintes, David tenta florear um pouco seus sentimentos mas algumas frases de dor são aqueles socos de tristeza no estômago da gente, como: Over it /Think I'm getting over it /But there's no getting over it (superando/ Acho que estou superando/mas não tem como superar isso) em Under You, o que pode ser uma canção mais direta ao Taylor ; I've been hearing voices/ None of them are you (tenho ouvido vozes, nenhuma delas é a sua) em Hearing Voices,o que pode remeter aos dois falecidos.

A música que dá o nome o disco que é a quarta na ordem pode ser encarada como a segunda fase do luto, a raiva: Grohl cantas as palavras dor, separação e reverencia e repete  por muitas vezes but here we are. Nós aqui estamos enquanto os outros se vão, até que se chegue a nossa vez. Não há  muito o que se fazer.


'The Glass' particularmente me pegou um pouco, os versos I had a vision of you, and just like that/I was left to live without it, left to live without it (eu tinha uma visão de você e assim/fui deixado pra viver sem isso/deixado pra viver sem isso). Porque é nesse momento de desamparo que você acaba internalizando coisas que não deveria dentro do seu luto. E a canção foi bem escrita para se encaixar em em qualquer luto, o fim de uma amizade, ou relacionamento e o inevitável, a morte de quem se ama. E internalizar esse sentimento de desamparo não faz bem ( experiência própria). Essa canção de alguma forma me ajudou a entender esses sentimentos um pouco melhor e como não fazer na próxima vez, que sempre vem.

'Nothing at all', a música mais raivosa do disco - e que pra mim é outra música que tem tudo pra ser um grande hit - e pode até ficar meio deslocada das outras, e pode ser encarada mais como um respiro para o que vem a seguida: Uma pedrada no coraçãozinho da gente com 'Show me how', em que a filha de Grohl, Violet, faz os backing vocals. Apesar dos versos tristes como 'Made it through yesterday/Spilling wine, thinking of the time' (sobrevivi ao dia de ontem/ derramando vinhos pensando no tempo) talvez seja a primeira onde começam os traços de aceitação das perdas e a ideia de seguir em frente ("I'll take care of everything from now on") mesmo sem ter mais o seu norte ("Who show me how?').


'Beyond me' talvez seja a música que mais lembre o Taylor do álbum para mim, o refrão principalmente (está além de mim/ para sempre jovem e livre). Mas versos como "se tudo acabasse hoje, você ficaria bem?" cantado de forma bem suave por Grohl com um piano ao fundo, ainda dá aquela machucadinha...

'The Teacher' é a música mais longa da história do grupo e tem um propósito claro de homenagear a mãe de Grohl, que era professora. Com vários andamentos, acaba sendo um compilado de todo o sentimentos dele com a sua mãe, o que a gente pode ver no clipe, com vários pedaços de gravações e fotos deles. O final com todos os instrumentos estourando o volume em meio aos gritos de goodbye foi uma linda homenagem. Mas a canção poderia ser mais curta, mas talvez o fato dela ser tão extensa é o jeito de marcá-la na discografia do grupo.

'Rest' é uma puta canção. Doída, triste, mas é uma canção de resignação. É David Grohl dizendo, está doendo e ainda vai doer muito,  mas você pode seguir e descansar, você está em um lugar melhor. No fim ele encerra fazendo o trocadilho com o nome da mãe  Virgínia e do estado que tem o mesmo nome 'Sob o sol quente da Virgínia, eu te encontrarei lá". Dá aquele nózinho na garanta quando a música cessa e faz a gente dar uma respirada mais forte no silêncio por poucos minutos.

'But Here We Are' não é mais um álbum que tem a pretensão de 'salvar' o rock como os dois últimos tinham - e eles estão longe de ser extremamente ruins, um pouco genéricos, talvez. A sonoridade não é nada de inovador e extraordinário - O som de muitas músicas, principalmente na primeira parte do álbum lembra muito o período entre 1997 e 2002, que os fãs gosta muito - mas ainda assim, é o melhor álbum já feito pela banda desde Wasting Light. e fica bem na parte de cima dos melhores da história da banda. Por David Grohl ter tido a ousadia de ser brutalmente sincero nas letras e a banda ter se unido musicalmente para entregar o melhor trabalho possível para honrar as perdas sentidas por eles, pelo seu frontman e pelo seu público, ele merece ser ouvido.

(abrir um parênteses pela boa adição de Josh Freese, um baterista experiente e que já ajudou trocentas bandas a gravar discos, do Devo a Avril Lavigne e passando por Rob Zombie e Slash e que deve segurar bem a onda nas turnês. Lembrando que Grohl fez todas as baterias do álbum)

Um álbum que já nasce atemporal e deverá ajudar muitas pessoas no mundo a aguentar as dores da perda de uma pessoa querida. E não ouça quando estiver fazendo algo, sei que nesse mundo tão corrido é difícil, mas se possível, pare e ouças as canções com a devida atenção, para tentar se conectar consigo mesmo e aquela dorzinha que você guarda lá no fundo e aprender a seguir em frente, como o Foo Fighters já está fazendo. 

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